segunda-feira, 30 de maio de 2011

A construção da identidade docente

Com relação ao debate acadêmico que discute a docência como arte ou como ciência, ouso considerar que de fato o que sempre existiu foi o entrelaçamento desses dois conceitos em um mesmo campo, que permite ao profissional da educação transitar entre eles.


Para Pierre Bourdie, "toda arte é, de alguma maneira, feita duas vezes. Pelo criador e pelo espectador, ou melhor, pela sociedade à qual pertence o espectador, e em sua situação cultural específica". Portanto, ao se discutir a formação do profissional da educação, pedagogia e o ato pedagógico como arte ou como ciência, considero fundamental refletir sobre a possibilidade de reconhecer docência como arte sem, contudo colocar-lhe em um lugar menor. E mais, a docência constitui-se ao longo do tempo em um campo científico importante para compreensão do próprio ato pedagógico. Além disso, a docência como arte não deve ser entendida como diversa "do resultado da atividade humana, do esforço criador e re-criador do homem, de seu trabalho por transformar e estabelecer relações dialogais com outros homens", como afirmou Paulo Freire .Ela precisa ser abordada em sua rede de relações. Portanto, no que tange à formação do profissional da educação e a pedagogia não é possível tecer uma concepção prudente se considerarmos arte e ciência conceitos contrários. Estes dois conceitos se entrelaçam e se complementam em um movimento contínuo e complexo e, embora guardem as suas diferenças epistemológicas podem estar presentes e constituir o mesmo processo, neste caso, a docência.
É importante considerar que o saber dos professores é um saber social e está relacionado com a pessoa e a identidade dele; com sua experiência de vida; com sua história profissional; com suas relações com os alunos em sala de aula; e com outros atores sociais. Ele é social, porque é partilhado por um grupo de agentes professores, que possuem uma formação comum; trabalham numa mesma escola; e, por causa da estrutura deste “campo”, estão sujeitos a representações coletivas e a situações coletivas de trabalho. Outra razão é que o que o professor ensina, e como ensina, evolui com o tempo e as mudanças sociais; ou seja, o saber do professor é incorporado, modificado, adaptado em função dos momentos de sua carreira, ao longo de sua trajetória profissional. Na perspectiva de Tardif, o saber do professor está situado na interface entre o individual e o social, entre o ator e a estrutura. Nesse sentido, destaco que o sujeito-professor é um agente social, fruto das interações estabelecidas entre o(s) campo(s) social (is) de que participa e sua subjetividade. Sendo assim, é importante que o professor seja reconhecido como um sujeito sociocultural que constrói e reconstrói seus conhecimentos conforme as necessidades e demandas do contexto histórico e social, suas experiências, seus percursos formativos e profissionais.
Considero, portanto que os saberes da experiência são saberes-práticos e formam um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua formação e sua prática cotidiana. Na medida em que o professor enfrenta dificuldades e interage com os campos: social, profissional e escolar, ele utiliza, amplia e modifica o seu habitus. O trabalho docente é uma atividade exercida em interação com outros sujeitos, no campo escolar, que é constituído por relações sociais hierárquicas. As experiências adquiridas nas interações vão sendo articuladas com o aprendizado passado e vão se constituindo numa nova matriz geradora de saberes, que orienta a prática docente, conforme pode ser constatado por Bourdieu, quando diz que “o conhecimento prático é uma operação de construção que aciona sistemas de classificação que organizam a percepção e a apreciação, e estruturam a prática”. A prática profissional do professor está associada aos saberes construídos e incorporados ao longo da trajetória pessoal e profissional. Ao longo da trajetória, o professor vai incorporando os saberes sobre como ensinar, sobre as imagens e papeis de professor, sobre crenças e certezas sobre a prática. Portanto, pode-se considerar que o desenvolvimento profissional é um processo de crescimento pessoal; de aquisição de competências de eficácia de ensino e organização do processo ensino-aprendizagem; e a adaptação do professor ao meio profissional e à instituição escolar. Isso ocorre mediante as relações entre os campos sociais e o agente, num processo contínuo de adaptações e/ou transformações.

_________________Escritos sobre a educação. (Org.). NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. Petrópolis: Vozes, 1998.
________________. O poder simbólico tradução Fernando Tomaz (português de Portugal) – 7ª ed. – Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2004.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
Por Profª Ericka Cunha

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